GUIDELINE SAFE SURGERY OMS

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

CIMENTAÇÃO NA CIRURGIA ORTOPÉDICA. QUEM SE PREOCUPA COM A ENFERMAGEM?


Na folha informativa para a atenção de pessoal do Bloco Operatório sobre cimentos ósseos com Gentamicina de uma conhecida casa comercial podemos ler no departamento referente a advertências: “Como o monómero líquido é altamente volátil e inflamável, a sala de operações deve ser ventilada de maneira adequada para eliminar o máximo possível de vapores do monómero. Foi comunicada que a utilização de dispositivos electrónicos de electrocauterização em locais próximos de cimentos ósseos pode provocar a combustão dos fumos do monómero”.
Devem tomar-se precauções durante a mistura dos dois componentes para prevenir a exposição excessiva aos vapores concentrados do monómero, que podem produzir irritação das vias respiratórias, dos olhos e do fígado. Os valores concentrados do componente liquido podem ter uma reacção adversa em lentes de contacto moles. O pessoal que usa lentes de contacto deve ser informado deste facto e limitar a sua exposição. O metilmetacrilato, demonstrou provocar hipersensibilidade em indivíduos sensíveis o que poderá resultar numa resposta anafiláctica.
Deve evitar-se o contacto do monómero com a pele ou com as membranas mucosas. O componente liquido dos cimentos ósseos provocou dermatite de contacto nos indivíduos que procederam à sua manipulação e mistura. O componente líquido do cimento ósseo é um potente solvente lipídico. Este componente liquido não deve entrar em contacto com as luvas cirúrgicas.
Como o monómero é volátil e inflamável, qualquer desperdício do componente liquido deve ser evaporado sob uma estufa bem ventilada ou absorvido por um material inerte e transferido para um recipiente adequado (que não reaja com o monómero) para eliminação. Antes da eliminação deve deixar-se solidificar o cimento ósseo excedente. O componente polimérico e detritos de pó devem ser eliminados como detritos clínicos.
Os enfermeiros/as de Bloco Operatório devem proceder sempre a preparação do cimento ósseo num sistema de vácuo. A exposição aos vapores do cimento durante a cimentação tradicional pode expor os enfermeiros a sérios riscos para a sua saúde.


Manuel Padín


Enfermeiro

SOMOS NEGLIGENTES NO BLOCO OPERATÓRIO ?


Já lá vão três anos que, no dia 18 de Fevereiro, apresentei no XIII Congresso Nacional AESOP uma comunicação sobre um tema que naquela altura não era especialmente destacado na realidade da enfermagem de Bloco Operatório portuguesa. É verdade que enfermeiras como Maria José Dias Pinheiro já alertavam desde há algum tempo para a sua importância. A comunicação tinha por título “ERROS NO BLOCO OPERATÓRIO. UMA REALIDADE”. Naquele dia um enfermeiro chefe do Bloco Operatório de um importante Hospital nacional comentou, depreciativamente sobre a minha comunicação, que não tinha abordado nada de novo. E tinha razão…, em parte. Eu não tinha inventado, nem pretendia, absolutamente nada. A minha comunicação tinha como objectivo, acima de tudo uma acção de consciencialização. Tinha baseado aquela pesquisa nas recomendações elaboradas por diferentes associações americanas e pela própria OMS, sobre práticas seguras.
Iniciei aquela fria manha uma pequena batalha particular, não por busca de elogios nem reconhecimento pessoal, mas sim pela preocupação, naquela altura e ainda hoje, pela redução da incidência de situações adversas ou erros nos Blocos Operatórios.
Foram 3 anos que me levaram a vários lugares da geografia nacional, à vizinha Espanha e a lugares tão distantes como Chile, para apresentar comunicações sobre este tema. A mensagem em todos os casos foi sempre a mesma: “Caros colegas,… é possível reduzir o número de erros no Bloco Operatório”.
A segurança é um princípio fundamental no atendimento aos doentes que chegam ao Bloco Operatório, e portanto da qualidade. Melhora-lo requer um trabalho complexo que implica todo o sistema. Engloba todos os elementos presentes no Bloco Operatório, enfermeiros, cirurgiões e anestesistas, e requer um verdadeiro trabalho em equipa. Todos juntos temos de ser capazes de identificar os riscos reais e potenciais na segurança do doente e actuar em conformidade na aplicação de critérios efectivos na resolução dos mesmos.
Os erros do pessoal de saúde são uma das principais causas de morte e lesões nos países industrializados. Os nossos erros têm sido objecto de estudo nos últimos anos. O Instituto Medico dos Estados Unidos estimou que ocorrem cerca de 100.000 mortes por ano directamente relacionadas com erros do pessoal de saúde. De facto, só nos EUA as mortes relacionadas com negligências ocupam o oitavo lugar do ranking a frente de patologias como o HVI, o cancro da mama ou os acidentes de viação. Não estamos perante um problema insignificante.
Para promover a segurança dos nossos doentes no Bloco Operatório, devemos levar a cabo uma série de acções que ajudem a prevenir os efeitos adversos. Devemos aprender com os erros, melhorar os sistemas de notificação e fugir de políticas ultrapassadas de encobrimento do erro por medo das possíveis consequências punitivas. Tudo isto com uma política nacional de não punição. Devemos investigar de forma competente os incidentes operatórios. Só assim, avaliando o porquê dos erros, conseguiremos descobrir falhas dentro do sistema e antecipar debilidades.
No Bloco Operatório a possibilidade de cometer um erro é especialmente elevada, sendo as consequências potencialmente catastróficas. Segundo um estudo de Abril de 2006 realizado pela Agency of Health Research and Quality, a incidência de cirurgias realizadas com localização errada verifica-se em 1 para cada 113.000 procedimentos. Esse mesmo estudo estima que pelo menos em 65 % dos casos se poderia ter evitado o erro se se tivesse posto em prática um Protocolo Universal de Verificação Pre-cirúrgica tipo “Time Out”.
Apesar do crescente interesse pela segurança do doente, ainda é geral a falta de sensibilização a respeito deste problema. Ou pelo menos sobre por em prática um programa serie que limite significativamente os erros. A capacidade de aprender com a experiencia vê-se gravemente afectada pelo facto de não existir em muitos hospitais portugueses uma uniformização de um método de identificação dos doentes e dos procedimentos cirúrgicos. É fundamental tomar consciência da necessidade de implementação no universo hospitalar dum Protocolo Time Out que ajude os profissionais a reduzir a incidência dos seus erros relativamente a procedimentos, pacientes e locais cirúrgicos.
A redução eficaz destes efeitos adversos para os doentes exige um esforço conjunto e consciente de todos os elementos que directa ou indirectamente participam na cirurgia. Todos sem excepção. Continuar a ignorar os riscos inerentes ao nosso trabalho negligenciando as possibilidades que temos ao nosso alcance para evitar uma parte substancial dos erros, deve ser entendido como uma franca quebra na nossa qualidade assistencial, aspecto por demais importante nos tempos em que vivemos.
AO longo destes 3 anos recebi centenas de demonstrações de apoio de colegas, muitas palmadinhas nas costas e harmoniosas palavras das chefias. Na verdade pouco mais. Porque o problema fundamental radica na verdadeira vontade que temos em melhorar as coisas. Na pratica, apesar das iniciais demonstrações de apoio, sofri um abandono por parte dos profissionais (médicos e enfermeiros) que viam o Protocolo Time Out como algo improdutivo que obrigava a perder tempo. As próprias chefias não souberam ou não quiseram incorporar este tipo de protocolos no nosso dia a dia. Vivemos num mundo em que se prima pela produtividade e gostamos dizer também,… pela qualidade. Perder 10 segundos antes de cada cirurgia para que a equipa confirme o Protocolo Time Out parece, para algumas pessoas, algo absolutamente imperdoável.
Já nos perguntamos alguma vez ate que ponto nós, profissionais da saúde, não estaremos a ser negligentes?
Recentemente foi noticiado em Espanha o caso de uma criança que foi submetida a uma cirurgia ao olho errado. Não nos enganemos, casos como este podem ser mais frequentes do que poderíamos pensar. Exemplos, sinceramente, não nos faltam. Mais apesar de termos conhecimento dos diferentes erros cometidos noutros hospitais, continuamos a fazer vista gorda e, em muitos casos, temos certeza que isso nunca nos vai suceder,… não a nós. Isso será realmente assim?. Será que já não nos aconteceu. Quantos dos erros cometidos no Bloco Operatório são silenciados pelo próprio pessoal que tenta evitar assim a sanção futura?. Quem não teve já alguma vez um susto directamente relacionado por exemplo com o lado em que se vai a realizar a cirurgia?. Devemos compreender que por cada caso silenciado, perdemos a oportunidade de entender por que sucedeu esse problema. Desta forma não conseguiremos estudar correctamente os factores que levam ao erro de forma a pudermos definir estratégias reais e adequadas. Na maioria dos casos, um simples gesto, um simples Protocolo Time Out consegue diminuir francamente a possibilidade de erro no Bloco Operatório.
De quem é a responsabilidade quando se comete um erro?. Da chefia que não aplica o time Out como norma de serviço ou do enfermeiro que comete o erro?. Sem dúvida é um assunto polémico. Eu digo que são os dois… Quando se comete um erro que poderia ser facilmente evitado através do Protocolo Time Out, é responsável a chefia que tendo os conhecimentos suficientes (ou pelo menos deveria tê-los) não cria, nem aplica a norma. É culpada por conivência com a situação. É igualmente responsável o enfermeiro que comete o erro, que sabendo da existência deste tipo de protocolos Time Out, não exige a sua aplicação no dia a dia. Existe responsabilidade dos enfermeiros, dos anestesistas e dos cirurgiões. Enfim, todos aqueles que tendo conhecimento destes protocolos, continuam a desvalorizar a sua aplicação, simplesmente por comodidade, ou porque acham ser tempo perdido.
Será que “perder” 10 segundos a realizar o momento Time Out (doente, cirurgia e local correcto) antes da incisão cirúrgica não se justifica pelo simples facto de não cometer um erro potencialmente gravíssimo e que quem vai sofrer é o doente?. Não podemos esquecer que a verdadeira vítima de um erro cometido num Bloco Operatório é sempre o doente.
Queremos que nos reconheçam como profissionais altamente qualificados e responsáveis. Creio firmemente que a enfermagem ocupa cada vez um lugar mais importante e destacado dentro do organograma do sistema da saúde. Mas para podermos alcançar esses objectivos que tanto ansiamos, e porque tanto lutamos, devemos compreender que também temos uma grande responsabilidade no nosso trabalho. Esquecer a possibilidade de melhorar os cuidados que prestamos aos nossos utentes não pode ser senão considerado uma negligência de nossa parte.
A nível pessoal, ganhei a batalha da consciência, mas sinto que falhei no mais importante: a aplicação dos Protocolos Time Out. A AESOP (Associação de Enfermeiros de Sala de Operações Portugueses), precisamente este ano, lançou uma agressiva campanha de consciencialização sobre práticas seguras. Uma vez mais soube abordar de frente um problema importante na enfermagem do Bloco Operatório. Parece-me que nesta altura já ninguém deve alegar que desconhece as recomendações internacionais sobre práticas seguras. Ainda há muito para fazer, mas agora, o que realmente é necessário e um compromisso unânime de todos aqueles que trabalhamos no Bloco Operatório. Pensar que esta é uma meta só de alguns é uma filosofia errada.
Já diziam os antigos, “ERRARE HUMANUM EST, PERSEVERARE DIABOLICUM”